Atualizado: 25/5/2012 8:15
http://noticias.br.msn.com/artigo.aspx?cp-documentid=250431399
Brasília - Em uma ampla sala colorida, cercado por cuidadoras, um grupo
de seis bebês, com 6 meses de idade em média, divide o mesmo espaço, brinquedos
e histórias de vida. Todos eles vivem em uma instituição de acolhimento
enquanto aguardam que a Justiça defina qual o seu destino: voltar para a
família biológica ou ser encaminhados para adoção. A realidade das 27 crianças
que moram no Lar da Criança Padre Cícero, em Taguatinga, no Distrito Federal
(DF), repete-se em outras instituições do país. Enquanto aguardam os trâmites
judiciais e as tentativas de reestruturação de suas famílias, vivem em uma
situação indefinida, à espera de um lar. Das 39.383 crianças e adolescentes
abrigadas atualmente, apenas 5.215 estão habilitadas para adoção. Isso
representa menos de 15% do total, ou apenas uma em cada sete meninos e meninas
nessa situação.
Aprovada em 2009, a Lei Nacional da Adoção regula a situação das
crianças que estão em uma das 2.046 instituições de acolhimento do país. A
legislação enfatiza que o Estado deve esgotar todas as possibilidades de
reintegração com a família natural antes de a criança ser encaminhada para
adoção, o que é visto como o último recurso. A busca pelas famílias e as
tentativas de reinserir a criança no seu lar de origem podem levar anos.
Juízes, diretores de instituições e outros profissionais que trabalham com
adoção criticam essa lentidão e avaliam que a criança perde oportunidades de
ganhar um novo lar.
'É um engodo achar que a nova lei privilegia a adoção. Em vez disso, ela
estabelece que compete ao Estado promover o saneamento das deficiências que
possam existir na família original e a ênfase se sobressai na colocação da
criança na sua família biológica. Com isso, a lei acaba privilegiando o
interesse dos adultos e não o bem-estar da criança', avalia o supervisor da
Seção de Colocação em Família Substituta da 1ª Vara da Infância e da Juventude
do DF, Walter Gomes.
Mas as críticas em relação à legislação não são unânimes. O juiz
auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça Nicolau Lupianhes Neto avalia que
não há equívoco na lei ao insistir na reintegração à família natural. Para ele,
a legislação traz muitos avanços e tem ajudado a tornar os processos mais
céleres, seguros e transparentes. 'Eu penso que deve ser assim [privilegiar a família
de origem], porque o primeiro direito que a criança tem é nascer e crescer na
sua família natural. Todos nós temos o dever de procurar a todo momento essa
permanência na família natural. Somente em último caso, quando não houver mais
solução, é que devemos promover a destituição do poder familiar', defende.
O primeiro passo para que a criança possa ser encaminhada à adoção é a
abertura de um processo de destituição do poder familiar, em que os pais
poderão perder a guarda do filho. Antes disso, a equipe do abrigo precisa fazer
uma busca ativa para incentivar as mães e os pais a visitarem seus filhos,
identificar as vulnerabilidades da família e encaminhá-la aos centros de
assistência social para tentar reverter as situações de violência ou violação de
direitos que retiraram a criança do lar de origem. Relatórios mensais são
produzidos e encaminhados às varas da Infância. Se a conclusão for que o
ambiente familiar permanece inadequado, a equipe indicará que o menor seja
encaminhado para adoção, decisão que caberá finalmente ao juiz.
Walter Gomes critica o que chama de 'obsessão' da lei pelos laços
sanguíneos. 'Essa ênfase acaba demonstrando um certo preconceito que está
incrustado na sociedade que é a supervalorização dos laços de sangue. Mas a
biologia não gera afeto. A lei acaba traduzindo o preconceito sociocultural que
existe em relação à adoção.'
Uma das novidades introduzidas pela lei - e que também contribui para a
demora nos processos - é o conceito de família extensa. Na impossibilidade de a
criança retornar para os pais, a Justiça deve tentar a reintegração com outros
parentes, como avós e tios. Luana* foi encaminhada ao Lar da Criança Padre
Cícero quando tinha alguns dias de vida. A menina já completou 6 meses e ainda
aguarda a decisão da Justiça, que deverá dar a guarda dela para a avó, que já
cuida de três netos. A mãe de Luana, assim como a de vários bebês da
instituição, é dependente de crack e não tem condições de criar a filha.
O chefe do Núcleo Especializado da Infância e Juventude da Defensoria
Pública de São Paulo, Diego Medeiros, considera que o problema não está na lei,
mas na incapacidade do Estado em garantir às famílias em situação de
vulnerabilidade as condições necessárias para receber a criança de volta. 'Como
defensoria, entendemos que ela é muito mais do que a Lei da Adoção, mas o
fortalecimento da convivência familiar. O texto reproduz em diversos momentos a
intenção do legislador de que a prioridade é a criança estar com a família.
Temos que questionar, antes de tudo, quais foram os esforços governamentais
destinados a fortalecer os vínculos da criança ou adolescentes com a família',
aponta.
Pedro* chegou com poucos dias de vida ao Lar Padre Cícero. A mãe o
entregou para adoção junto com uma carta em que deixava clara a impossibilidade
de criar o menino e o desejo de que ele fosse acolhido por uma nova família.
Mesmo assim, aos 6 meses de vida, Pedro ainda não está habilitado para adoção.
Os diretores do abrigo contam que a mãe já foi convocada para dizer, perante o
juiz, que não deseja criar o filho, mas o processo continua em tramitação. Na
instituição onde Pedro e Luana moram, há oito crianças cadastradas para adoção.
Dessas, apenas duas, com graves problemas de saúde, têm menos de 5 anos de
idade.
Enquanto juízes, promotores, defensores e diretores de abrigos se
esforçam para cumprir as determinações legais em uma corrida contra o tempo, a
fila de famílias interessadas em adotar uma criança cresce: são 28 mil
pretendentes cadastrados e apenas 5 mil crianças disponíveis. Para a vice-presidenta
do Instituto Brasileiro de Direito da Família, Maria Berenice Dias, os bebês
abrigados perdem a primeira infância enquanto a Justiça tenta resolver seus
destinos. 'Mesmo que eles estejam em instituições onde são super bem cuidados,
eles não criam uma identidade de sentir o cheiro, a voz da mãe. Com tantas
crianças abrigadas e outras tantas famílias querendo adotar, não se justifica
esse descaso. As crianças ficam meses ou anos depositadas em um abrigo tentando
construir um vínculo com a família biológica que na verdade nunca existiu',
critica.
*Os nomes foram trocados em respeito ao Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA) // Edição: Juliana Andrade e Lilian Beraldo
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